domingo, 2 de novembro de 2025
CRÔNICA

Sala de Espera

31/10/2025
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Pr. Pedro R. Artigas
Igreja Metodista


Há dias em que a vida parece uma sala de espera: gente entrando e saindo, anúncios no alto das paredes, o tempo marcando passos que não nos pertencem. Numa dessas tardes cinzentas, sentei-me à mesa com uma xícara de café esquecida e a frase de Romanos 6.11 veio como se alguém tivesse deixado uma janela aberta no meu coração — “Considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor”. Não era só um versículo; era uma proposta de mudança de mobília interna, a sugestão de retirar do quarto aquelas coisas que insistem em ocupar espaço sem servir a nada.
Ao ler, lembrei-me de pessoas que conheci e que carregavam bagagens invisíveis: ressentimentos, hábitos velhos como móveis encardidos, a camada de pó de desculpas que transforma qualquer reticência em justificativa. Paulo, naquela carta, não fala de teorias abstratas. Fala de corpo e gesto. Morrer para o pecado não é um suicídio moral, mas desligar o rádio que toca sempre as mesmas canções que nos enlatam. Viver para Deus, em Cristo Jesus, é acender outra estação, com uma frequência que traz clareza, ritmo diferente, e uma música que, aos poucos, faz dançar o olhar e as mãos.
Na rua, vi um jovem com tatuagens que pareciam mapas de feridas antigas; ele sorria para o cachorro do vizinho e o sorriso era genuíno. Não havia, nele, a leveza de quem não conhece a dureza da vida, mas a presença de alguém que encontrou um motivo maior para levantar da cama. Pensei que talvez essa seja a prova: não a ausência de problemas, mas a nova disposição diante deles. Morrer para o pecado não elimina o atrito do mundo; muda o modo como lidamos com ele. É como trocar um óculos fosco por lentes limpas — o panorama segue complexo, mas as opções para caminhar são outras.
Lembrei-me também de uma senhora da minha rua que sempre repartia o que tinha com quem batia à sua porta. Ninguém diria que já viveu desconfiança ou que, certa vez, fechou o coração como quem fecha a janela antes da chuva. A generosidade dela parecia uma consequência simples: tinha decidido viver de outro modo. Essa pequena coerência com a fé é o que Paulo chama de novidade de vida: não um press release de perfeição, mas um testemunho vivido, que se mostra nas horas em que ninguém assiste.
A crônica da vida cristã, pensei, é escrita em capítulos curtos, de dias comuns. E é nos detalhes insignificantes que percebemos a mudança: o silêncio escolhido diante da fofoca, o perdão que chega primeiro que o julgamento, a mão estendida quando a rotina convida a virar a cara. Ser “morto para o pecado” é, antes de tudo, um exercício prático de liberdade — não a liberdade libertina, que faz do querer um tirano, mas a liberdade de quem escolhe e repete a escolha até que ela vire hábito de alma.
Por isso, a invocação de Paulo não soa como uma lista de proibições, mas como um convite culinário: trocar ingredientes velhos por novos, sentir o aroma diferente, descobrir que uma receita pode ser reinventada. Viver para Deus não é viver de joelhos para regras, mas de pé, consciente do papel que ocupamos na história, prontos para responder com coragem aos desafios que surgem.
No fim da tarde, enquanto as luzes da cidade acendiam e o som distante de uma escola anunciava o fim das aulas, fechei o livro e senti um movimento interior — uma espécie de renascimento cotidiano. Nada dramático, apenas uma decisão renovada de escolher a vida que corresponde à promessa: morrer para o que nos corrói e viver para o que nos completa. A possibilidade de recomeçar é sempre uma porta entreaberta; hoje, resolvi empurrá-la um pouco mais.
E se a permanência dessa escolha depende de força humana, falhamos; se depende de lembrança e prática, persistiremos. A cada manhã, há uma oportunidade para reconhecer o que já não nos serve e para dizer, com voz simples e firme, que preferimos viver de outro modo. Assim, a sala de espera se transforma em estação de partida e a vida, apesar das bagagens, segue com destino. 
Estamos chegando ao Natal, tempo de luz, de gratidão, comece a se preparar para a época, e procure deixar sua sala de espera sem as bagagens velhas e encardidas para viver o novo de Deus em sua vida. Shalom.