
Pr. Pedro R. Artigas
Igreja Metodista
Na cidade onde tudo se arquiva, onde cada erro vira registro e cada deslize é lembrado com precisão cirúrgica, a ideia de esquecer parece quase um milagre. Ali, os muros têm ouvidos e os arquivos têm memória infinita. Mas há um lugar — ou melhor, uma promessa — que desafia essa lógica: o coração de Deus.
Hebreus 8.12: "Porque serei misericordioso para com suas iniquidades, e de seus pecados e de suas prevaricações não me lembrarei mais." é uma dessas frases que parecem simples, mas carregam uma revolução silenciosa. Deus, o eterno, o onisciente, declara que não se lembrará mais dos pecados. Não é que Ele não possa lembrar. É que Ele escolhe não lembrar. E isso muda tudo.
Imagine um juiz que, após ouvir todos os argumentos, todas as provas, todas as confissões, se levanta e diz: “Está tudo resolvido. Não apenas perdoado, mas esquecido.” Não há registro, não há sombra, não há eco. O que antes era culpa agora é graça. O que era peso agora é leveza.
Essa promessa não é feita a santos perfeitos, mas a gente comum — como eu, como você — que tropeça, que se arrepende, que tenta de novo. É feita a quem carrega marcas do passado, cicatrizes da alma, lembranças que doem. E é justamente aí que ela brilha: na escuridão da memória, Deus acende a luz do esquecimento misericordioso.
Mas o curioso é que nós, humanos, temos dificuldade em esquecer. Guardamos mágoas como quem coleciona selos raros. Revisitamos erros antigos como quem folheia um álbum de fotos. E, às vezes, mesmo depois de pedir perdão, ainda nos sentimos culpados. Como se o perdão de Deus precisasse da nossa aprovação para funcionar.
A palavra de Hebreus nos convida a uma nova forma de viver: sem o peso do passado, sem o medo do julgamento divino, sem a prisão da culpa. É como se Deus dissesse: “Você está livre. Não há mais nada entre nós.” E isso não é apenas teologia — é libertação.
Na prática, essa promessa muda a forma como olhamos para os outros também. Se Deus escolhe esquecer, quem somos nós para lembrar? Se Ele apaga, por que insistimos em sublinhar? Talvez o maior desafio do perdão não seja concedê-lo, mas esquecer junto com Deus.
A crônica da vida é feita de capítulos difíceis, mas o texto desta crônica é como uma página em branco oferecida por um Autor que não desiste da história. Ele não apenas reescreve — Ele apaga com amor. E nesse apagar, há mais poder do que em qualquer lembrança.
Então, da próxima vez que a memória tentar te condenar, lembre-se do que Deus escolheu esquecer. E viva como quem foi perdoado por completo. Porque, no tribunal da graça, o veredito já foi dado: misericórdia. Shalom.